sexta-feira, 20 de maio de 2011

OTELO - O REGIME ESTÁ A CRIAR CONDIÇÕES PARA SER ABATIDO

O operacional do 25 de Abril diz que "se o FMI atingir os militares pode criar condições para uma revolta" Eduardo Lourenço, que assina o prefácio do livro "O dia inicial", escreve que o 25 de Abril foi "o dia de pura glória de Otelo e não terá outro maior". Talvez por isso Otelo Saraiva de Carvalho insista na ideia que, no dia 26, a sua missão estava cumprida e o seu desejo era voltar a dar aulas na Academia Militar. Não foi assim e, 37 anos depois, Otelo defende, com a mesma convicção de outros tempos, a democracia directa e justifica os excessos do PREC. "Exorbitei muitas vezes as minhas funções, eu reconheço isso, mas a revolução era para se fazer ou não?", diz a certa altura desta conversa o operacional de Abril, que, perante a insistência sobre os métodos utilizados durante o chamado período revolucionário em curso, remata com um "tinha de ser assim, pá". Foi nessa altura que mudámos de assunto para falar do país, do FMI, do governo ou das próximas eleições. Otelo resume o que pensa e sente numa frase: "O desgosto é grande."

No livro "O tempo inicial" relata o fim da acção que desenvolve no Posto de Comando e sublinha que ficou sozinho. Às 13 horas do dia 25 de Abril, quando toda a gente festejava nas ruas, o Otelo era um homem só?

Aquela gente toda que estava no Posto de Comando saiu para ir ver a alegria que estava nas ruas e eu dei comigo sozinho. Arrumei as coisas - as granadas e as pistolas que tinham para ali ficado - e fui-me embora. Estava sozinho. O Sanches Osório e o Lopes Pires disseram, mais tarde, que estiveram lá até ao dia 27, mas quando eu saí não estava lá ninguém. Apaguei a luz, fechei a porta, meti-me no carro e fui para casa. A minha missão estava cumprida.

E foi para casa?

Fui. Eu despedi-me da minha mulher no dia 23 e fui dormir à Pontinha nessa noite por uma questão de precaução. No dia 24 fui para o Posto de Comando. Na noite de 23 a minha mulher não sabia ainda o que eu era no movimento e expliquei- -lhe: "Vou fazer uma revolução. Aqueles papéis que eu andava a escrever estão relacionados com as missões que estão distribuídas e eu vou coordenar. Eu vou amanhã iniciar a revolução."

Estamos numa situação de crise grave. Não só financeira, como económica e política. Há o risco de haver uma nova ruptura como no 25 de Abril de 1974?

Estão a ser criadas condições para isso. Curiosamente o poder capitalista acaba sempre por se encaminhar para o suicídio. Estes regimes capitalistas, regimes da burguesia, têm tendência para isso. Vão sempre encontrando novas formas de se manter no poder, mas a verdade é que se vão suicidando.

Encontra algum paralelo entre o fim da ditadura e os tempos que estamos a viver?

Talvez pela teimosia na continuidade de uma política que já não é aceite. O aumento do desemprego e do custo de vida, que leva a uma cada vez maior dificuldade do povo, pode levar também a uma eclosão social que, sendo do tipo de uma insurreição popular sem nenhuma organização, sem nenhum comando, pode levar a um desastre. Por outro lado, se houver algum comando sobre essa insurreição levada a cabo ou por partidos ou por Forças Armadas pode vir a transformar-se numa nova ditadura. Correm-se sempre riscos, mas é o próprio regime que vai criando condições para ser abatido. Foi o que aconteceu com o fascismo em Portugal, que demorou muito tempo, mas acabou por acontecer.

Imagina hoje as Forças Armadas a tomarem alguma posição contra o regime?

Não, as circunstâncias são diferentes. Em 1974 as Forças Armadas estavam numa guerra colonial e era obrigatório o serviço militar. Com excepção do quadro permanente, os outros eram compelidos à prestação do serviço militar e quando se dá a oportunidade de alterar o sistema essa massa enorme tem tendência a apoiar uma acção deste género. Actualmente as Forças Armadas têm corpos de voluntários - houve uma redução enormíssima do número de efectivos - que ganham ajudas de custo e estão bem. Só se poderá criar condições no âmbito militar para uma revolta se o governo, a certa altura em desespero, começar a reduzir as vantagens económicas. Começar a reduzir os salários, as pensões ou a retirar regalias como o 13.o mês ou o 14.o mês.

O que pode acontecer com as medidas de austeridade que estamos a negociar com as instituições europeias?

O que vai acontecer agora, com a intervenção do FMI, se atingir os militares pode criar condições para uma revolta.

O Otelo chegou a ser convidado para primeiro-ministro?•
Fui convidado para tudo, mas recusei sempre.

A verdade é que houve muita gente que não gostou que o Otelo tivesse ultrapassado os seus poderes.

Essa exorbitância decorreu naturalmente pelo facto de durante o PREC [Período Revolucionário em Curso] ter havido uma desresponsabilização total de todos os sectores da actividade pública. Os ministros existiam não sei para quê. Vinha gente ter comigo ao Copcon a dizer que era preciso resolver o problema na fábrica, porque o administrador tinha fugido para o Brasil com o dinheiro, e eu dizia que isso era com o Ministério do Trabalho, mas eles de lá diziam que o Copcon é que resolvia. As ocupações do Alentejo começaram por uma decisão minha. Os trabalhadores vieram ter comigo a dizer que estavam à rasca, porque se ouvia falar muito da reforma agrária, mas a verdade é que os latifundiários todos os dias estavam a levar o gado e a deixar as terras abandonadas.

Hoje reconhece que cometeu muitos excessos?

Reconheço, mas faria tudo outra vez. Não me arrependo daquilo que fiz. O único excesso que podia ter evitado foram os mandados de captura em branco, mas tinha uma diversidade tão grande de funções que não tinha a possibilidade de fazer tudo ao mesmo tempo?

Eu era a única entidade no país que podia assinar mandados de captura. Ora eu era comandante da Região Militar de Lisboa, era comandante do Copcon. Eu saía do Copcon às quatro da manhã e no outro dia já lá estava às nove. E se fosse preciso um mandado de captura a meio da noite? Eu pensei que era preciso racionalizar e deixava dez mandados de captura por preencher. Foi uma decisão do Costa Gomes. É uma ordem que me é dada e o Costa Gomes invoca a legitimidade revolucionária. A Constituição tinha sido abolida. Uma revolução ou se faz a sério ou não e não podemos aplicar num processo revolucionário os ditames de uma democracia. Tinha de ser assim, pá.

Candidatou-se à presidência da República sem o apoio de nenhum partido. Não queria o poder, mas candidatou-se a Presidente...

Sabia que tinha poucas hipóteses de vencer com um candidato como o Eanes, que eu não tinha dúvida de que iria ganhar à primeira volta. Concorri para saber o que é que as minhas ideias valiam perante o povo. A ideia era uma democracia participativa, com as pessoas a participarem activamente e diariamente e não só de quatro em quatro anos.

Disse que se soubesse como o país ia ficar não tinha feito o 25 de Abril. Arrependeu-se?

Eu reportei-me à situação em que vivíamos antes do 25 de Abril para dizer que os jovens de hoje, que são obrigados a emigrar, estavam numa situação idêntica à nossa com uma guerra injusta. E o que digo é que se não tivesse havido o movimento dos capitães, eu isolado possivelmente teria sido obrigado a sair do país e não teria feito a revolução.

Vasco Lourenço diz que essa declaração é incompreensível.

Por causa dessa frase, que foi explorada como um sound byte, tenho recebido muitas mensagens a dizer que de facto a classe política pôs o país de rastos. A frase não foi bem entendida. O que eu digo é que as pessoas isoladas não conseguem um combate capaz de provocar alterações. Quando se juntam esforços então, sim, vale a pena.

Valeu a pena ter feito o 25 de Abril?

Sim, bolas. O derrube da ditadura e a possibilidade de sermos

Para ler a entrevista na totalidade clique aqui

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