BIJAN Pakzad. Um iraniano. Estudou têxteis na Suíça. Regressou ao seu país. Vestiu os mais poderosos homens daquela região, incluindo o Xá da Pérsia. Mas tinha maiores ambições. Universais. E mudou-se para os Estados Unidos há cerca de trinta e cinco anos. Para onde? Para onde havia dinheiro a rodos. Califórnia. Na zona mais chique, claro. Beverly Hills. E onde, aí? Em Rodeo Drive. Uma rua considerada a mais cara do mundo pela Time. Abriu as portas da sua loja… Não. Dizer assim está errado. Porque o estabelecimentoBIJAN, na Rodeo Drive, em Beverly Hills, desde o primeiro dia que não tem as suas portas abertas. Só se pode ser atendido na BIJAN mediante marcação prévia. Porque, ali, o cliente é atendido em exclusividade. Claro que paga gordo por esse privilégio. Por isso e pela qualidade verdadeiramente excepcional do que ali é vendido. “Encontrei ali caxemiras cozidas à mão, artigos em pele de canguru, cabedais cuja macieza pode apenas ser suplantada pela da pele de um bebé”, disse uma entrevistadora de Pakzad, Susan Michals. E é o próprio dono que explica à entrevistadora:
“Os meus clientes são tão poderosos que merecem ser cuidados em exclusividade mediante marcação. Eles adoram isso. Adoram tanto a atenção que eu lhes dou como eu adoro a atenção ao pormenor”.
A entrevistadora conclui pela justeza do procedimento quando obtém a informação de que um cliente da BIJAN pode facilmente gastar na loja, numa tarde, qualquer coisa como 200.000 euros (quarenta mil contos). O que não se estranha, se se levar em conta que um frasco do perfume para homens, exclusivo da BIJAN, de 200 c.c., pode custar mais de 2.000 euros (quatrocentos contos), um par de peúgas 35 euros (sete contos) e um fato de corte impecável pode custar mais de 35.000 euros (mais de sete mil contos). Tudo a fazer da BIJAN, na opinião dos especialistas, a loja de moda mais cara do mundo!
A BIJAN vende essencialmente fatos, camisas, laços, sapatos, jóias, relógios, pastas e perfumes. Mas, cuidado! Não pense que pode chegar à BIJAN e pedir uma camisa colarinho 40. É o próprio dono que explica:
“O meu cliente adequado é alguém que ganhe pelo menos 75.000 euros por mês. Se alguém precisa de alguma coisa, a minha loja não é o sítio onde deve ir. Se alguém chegar aqui e quiser uma camisa, esse alguém não pertence a este mundo. Agora, se alguém chegar e disser que está a deitar fora 24 camisas e quer substitui-las, então esse é o meu cliente”.
E o negócio funciona. Pakzad Bijan gaba-se de ter feito, apenas com o seu nome, uma fortuna de quatro mil milhões de dólares. Algo que chegaria para cobrir o défice de Portugal em relação ao orçamentado.
Portugal é o que nós sabemos. Vivemos actualmente uma aflição dolorosa e uma asfixia financeira cuja cura não sabemos se existe. Sem dinheiro e com o crédito abalado, o Estado Português é obrigado a violentar os seus cidadãos. Espinhos dolorosos cravados sobretudo na carne dos mais necessitados mas a atingir, também e progressivamente, a carne dos remediados. Impostos a roçar o confisco. Ajudas sociais a diminuírem rapidamente. Benefícios fiscais a serem cortados a torto e a direito. Redução dos salários dos funcionários públicos. Empresas a fecharem. Em cada dia, novos recrutas a engrossar a legião do desemprego. As pessoas a contarem todos os magros tostões, tentando fazer aquilo que os desaustinados governantes que temos tido nunca se preocuparam em fazer, equilibrar o orçamento. Cortes em cascata, portanto. Numa espiral atordoadora que leva até a ter receio de abrir o jornal ou ver o telejornal, não vá vir por aí mais um novo apertão. Tudo sob a égide de um governante de percurso pessoal no mínimo sombrio, cheio de dúvidas a cada canto, na generalidade nunca devidamente esclarecidas. José Sócrates, de seu nome. Fixe esse nome, meu Caro Leitor. Já vai ver porquê.
As duas notas anteriores parecem nada ter a ver uma com a outra, não é assim, meu Caro Leitor? Mas têm. Muito. Dolorosamente muito. Tudo porque a BIJAN – como vimos, um estabelecimento que vende essencialmente vaidade – tem o hábito de imprimir no vidro da montra os nomes mais sonantes dos seus clientes. Lá estão, por exemplo, Larry King, o famoso locutor da CNN; os actores de cinema Al Pacino e Robert de Niro; o realizador de cinema Steven Spielberg; o presidente dos Estados Unidos Ronald Reagan; e o da RússiaVladimir Putin; o cantor Elton John; e, espanto dos espantos, o Primeiro-Ministro de Portugal José Sócrates.
Ao tomar conhecimento disto, senti uma vertigem. A minha primeira reacção foi a de reconhecer ao Primeiro-Ministro o direito de escolher quem muito bem quiser para seu fornecedor. Se os presidentes dos poderosíssimos e riquíssimos Estados Unidos e Rússia podiam abastecer-se na BIJAN, porque raio não havia o Primeiro-Ministro do humilíssimo Portugal ter o direito de fazer o mesmo? Cheguei mesmo a colocar a mim próprio uma dúvida de tomo. Quem sabe ele tivesse ido para os lados de Hollywood – não estou a insinuar que foi para fazer testes de actor de cinema – e, passando à porta da BIJAN numa altura em que não estava lá ninguém, entrou para comprar um par de peúgas. Mas logo me vieram à mente as palavras do dono: “se alguém quer comprar uma camisa, este não é o seu lugar”. Muito penos para um par de peúgas. Não podia ser. E, rapidamente, estes meus pensamentos generosos foram substituídos por outros nem tanto. Caramba! Haverá algum abono para compra de roupas, concedido pelo OGE aos representantes dos órgãos do Poder? E, se não há, vamos lá a ver as declarações do IRS, a ver se estão lá rendimentos compatíveis com o facto de se ser cliente da loja mais cara do mundo? E, numa ocasião em que se pedem aos Portugueses sacrifícios pesados e sem conta, vislumbra-se sequer um laivo de moralidade num comportamento tal?
Retenhamos os factos. O Primeiro-Ministro de Portugal José Sócrates (assim, com todas as letras escarrapachadas na montra) é cliente da BIJAN, a loja mais cara do mundo. Terá (tem, pelo menos declarados ao fisco) rendimentos compatíveis com essa posição? Admitamos que tem. E ressalta uma questão de igual modo embaraçosa. Porque é que ele não poupou aos seus concidadãos, que ele governa, a vergonha de uma situação destas, a remeter-nos para os piores tempos da idade média, quando os suseranos comiam os javalis cuja caça proibiam aos aldeãos e estes haviam de contentar-se com as couves do quintal? Aquele nome não poderia estar ali sem a autorização pessoal dele. Portanto, deu-a, tácita ou explícita. E só encontro uma boa razão para tal. A sua imensa vaidade. Uma qualidade mais que temos de apor ao seu brilhante currículo.
A imoralidade, de uma situação como a descrita, é de tal modo grande que a minha limitada inteligência não consegue intuir quais as virtudes da estabilidade política que justificam manter este espécimen no lugar que ocupa. Se temos de esgaravatar os últimos grãos de trigo na terra queimada do quintal, se temos de catar por aí o supermercado que mais barato vende o arroz, então façamo-lo com dignidade e moralidade.
Magalhães Pinto, em VIDA ECONÓMICA, em 14/10/2010
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