Quando os milhões de
Bruxelas chegavam às carradas, Portugal vivia numa euforia colectiva. Havia
cursos para todos os gostos e feitios, financiados pela União Europeia, a bolsa
criava novos-ricos a cada instante e aqueles que beneficiavam com essas regras
do jogo faziam questão de ostentar o seu sucesso. A avenida 24 de Julho em
Lisboa, por exemplo, em quase todas as noites da semana fazia lembrar um
estádio de futebol esgotado. Nesse período, muitos citadinos lançaram a moda de
comprar montes alentejanos, pois sentiam-se sufocados com a agitação das
cidades. Alguns apenas procuravam um refúgio de fim-de-semana, outros
instalavam-se de armas e bagagens com a ajuda das novas tecnologias. Estava a
viver-se o início da globalização e os faxes que até então pareciam um
instrumento de trabalho muito avançado começavam a ficar para trás, quase como
objectos de museu. Alguns anos antes, no início da década dos anos 80, um bispo
tinha sobressaído para falar em fome no concelho de Setúbal. Mas em pleno
cavaquismo ninguém queria saber do passado. As empresas que tinham lucros
impensáveis começaram a exigir aos seus quadros ainda mais lucros. Empresas que
facturavam milhões acabavam por despedir funcionários para conseguirem ainda
mais lucro. Quantas empresas de consultadoria não surgiram nesse período,
anunciando receitas mágicas para mais riqueza? Muitas, seguramente.
Com a actual crise, as
palavras desemprego e fome voltaram a estar na ordem do dia. Milhares de
pessoas não têm emprego e são obrigadas a recorrer à caridade para darem de
comer aos filhos. No campo e nos tais montes, a vida corre a outro ritmo. Um
pequeno terreno dá para cultivar algo que se ponha na mesa e as despesas são
muito inferiores às das grandes cidades. Nos centros urbanos, filhos voltam a
casa dos pais ou juntam-se com amigos para dividirem despesas de habitação e
transportes. Mas acredito que muito boa gente não terá outra alternativa que
não seja sair da cidade e ir procurar na terra uma forma de vida diferente. à
semelhança daqueles emigrantes que voltaram para casa, sem terem conseguido
ganhar o suficiente para construírem o seu “chalé”. Em tempo de crise resta
sobretudo a solidariedade.
Vitor Rainho
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