Acabava de entrar o ano de 1872. E o novo ano que chegava interrogava o ano velho.”Fale-me agora do povo”, pedia o novo ano. E o velho:”É um boi que em Portugal se julga um animal muito livre, porque não lhe montam a anca; e o desgraçado não se lembra da canga!” Mas esse povo nunca se revolta?”, insistia o ano novo, espantado. E respondia o velho:” o povo às vezes tem-se revoltado por conta alheia. Por conta própria nunca”. E uma derradeira questão: “Em resumo, qual é a sua opinião sobre Portugal?”. E a resposta lapidar do ano velho: “ Um País geralmente corrompido, em que aqueles mesmos que sofrem não se indignam por sofrer”.
Este diálogo deve-se a Eça de Queirós. O mesmo Eça que escreveu sobre o Portugal de então. “O povo paga e reza. Paga para ter ministros que não governam, deputados que não legislam (…) e padres que rezam contra ele. (…) Paga tudo, paga para tudo. E em recompensa, dão-lhe uma farsa. “Estávamos repito, em 1872.
Estamos obviamente a falar do povo português. Esta “raça abjecta” congenitamente incapaz de que falava Oliveira Martins. Este povo cretinizado, obtuso, que se arrasta submisso, sem um lamento, sem um queixume, sem um gesto de insubmissão, tão pouco de indignaçaõ e muito menos de revolta. Um povo que se deixa conduzir passivamente por mentirosos compulsivos como Sócrates ou Passos Coelho ou por inutilidades ignorantes como Cavaco Silva, não merece mais que um gesto de comiseração e de desdém. É vê-los nas televisões por exemplo. Filas e filas de gente acomodada, cabisbaixa, servil, absolutamente resignada, a pagar as estradas que a charlatanice dos políticos tinha jurado “ que se pagavam a si mesmas”! Sem qualquer tipo de pejo e com indisfarçável escárnio, o Estado obriga-os a longas filas de espera para conseguirem comprar e pagar o aparelho que lhes vai possibilitar a única forma de pagar as portagens que essa corja de aldrabões agora no poder, se lembrou de inventar! Eles passam a noite inteira á espera, se preciso for. E lá vão depois bovinamente, de chapéu na mão mendigar a senha redentora que lhes dará o “privilégio de serem esbulhados electrónica e quotidianamente pelo Estado”. Um povo assim não presta, não passa de uma amálgama amorfa de cobardes. Porque, se esta gentinha”os tivesse no sítio”, recusar-se-ia massivamente a pagar as portagens. E isso seria suficiente para que os planos governamentais ruíssem como um castelo de cartas. Mas não. Esta gente come e cala. Leva porrada e agradece. E a escumalha de medíocres que detém o poder, rejubila e escarnece desta populaça amodorrada e crassa que paga o que els quiserem quando e como eles o definirem. Sem um espirro de protesto, sem um acto de revolta violenta, se preciso for. Pelo contrário paga tudo, paga para tudo. Sem rebuço, dóceis, de chapéu na mão, agradecidos e reverente, como o poder tanto gosta. E demonstram-no publicamente, disso fazendo gala. Esta multidão anestesiada espelha claramente o País que somos e que, irremediavelmente, continuaremos a ser – um país estúpido, pequeno e desgraçado. O “sitio” de que falava Eça a “piolheira” a que se referia o rei D. Carlos. “Governado” pelas palavras “sábias” de Alípio Severo, o Conde de Abranhos, essa extraordinariamente actual criação queirosiana, que reflecte bem o segredo das democracias constitucionais. Dizia o Conde:”Eu, que sou governo, fraco mas hábil, dou aparentemente a soberania ao povo. Mas como a falta de educação o mantém na imbecibilidade e o adormecimento da consciência o amolece na indiferença, faço-o exercer essa soberania em meu proveito…”Nem mais. Eis aqui o segredo da governação. A ilustração perfeita com que o rei D. Carlos nos definia há mais de um século:”Um país de bananas governado por sacanas”. Ontem como hoje. O verdadeiro esplendor de Portugal.
Professor Luís Manuel Cunha
Dá para reflectir. Pessoalmente sou mais optimista e julgo que o povo arrebita quando as coisas começarem a apertar a sério.
ResponderEliminarTalvez no final deste ano, ou no próximo, ou daqui a dois, quando as pessoas virem que recebem menos, que está tudo mais caro, há mais impostos para pagar, quando os layoffs e os despedimentos se somarem. Tudo isto para manter o sistema a soro. Veremos.
Eu faria um paralelo entre a citação do Conde de Abranhos e os media que só dão a entender ao povo como únicas soluções os maiores partidos. Fazem eles próprios uma escolha selectiva para nós depois fazermos a nossa. Destes, escolham um.