quarta-feira, 16 de novembro de 2011

PARA QUE SERVEM OS GOVERNOS? A VINGANÇA DO ANARQUISTA

Aqui há tempos havia um enigma. Como podiam os mercados deixar a Bélgica em paz quando este país tinha um défice considerável, uma dívida pública maior do que a portuguesa e, ainda por cima, estava sem governo? Entretanto os mercados abocanharam a Irlanda e Portugal, deixaram a Itália em apuros, ameaçaram a Espanha e mostram-se capazes de rebaixar a França. E continuaram a não a incomodar a Bélgica porquê? Bem, - como explica John Lanchester num artigo da última London Review of Books- a economia belga é das que mais cresceu na zona euro nos últimos tempos, sete vezes mais do que a economia alemã. E isto apesar de estar há 16 meses sem governo.
Ou melhor, corrijam essa frase. Não é “apesar” de estar sem governo. É graças – note-se, graças a estar sem governo. Sem governo, nos tempos que correm, significa sem austeridade. Não há ninguém para implementar cortes na Bélgica, pois o governo de gestão não o pode fazer. Logo, o orçamento há dois anos continua a aplicar-se automaticamente, o que dá uma almofada de ar à economia belga. Sem o choque contracionário que tem atacado as nossas economias da austeridade, a economia belga cresce de forma mais saudável, e ajudará a diminuir o défice e a pagar a dívida.
A Bélgica tornou-se assim num inesperado caso de estudo para a teoria anarquista. Começou por provar que era possível num país desenvolvido sobreviver sem governo. Agora sugere que é possível viver melhor sem ele. Isto é mais do que uma curiosidade.
Vejamos as coisas sob outro prisma. Há quanto tempo não se houve um governo ocidental – europeu ou norte-americano – dar uma boa notícia? Se olharmos para os últimos dez anos, os governos têm servido essencialmente para duas coisas: dizer-nos que devemos ter medo do terrorismo, na primeira metade da década; e, na segunda dizer-nos que vão cortar nos apoios sociais. Isto não foi sempre assim. Guerra Mundial o governo dos EUA abriu as portas da universidade a centenas de milhares de soldados – além de ter feito o Plano Marshal na Europa onde, nos anos 60, os governos inventaram o modelo social europeu. Até os governos portugueses, a seguir ao 25 de Abril, levaram a cabo um processo de expansão social e inclusão política inédita no país. No nosso século XXI isto acabou. Enquanto o Brasil fez os programas “Bolsa – Família” e “Fome Zero”, e a China investe em ciência e nas universidades mais do que todo o orçamento da EU, os nossos governos competem para ver quem é mais austero, e nem sequer pensam em ter uma visão mobilizadora para oferecer às suas populações. Ora, os governos não”oferecem” desenvolvimento às pessoas; os governos, no seu melhor, reorganizam e devolvem às pessoas a força que a sociedade já tem. Se as pessoas sentem que dão – trabalho, estudo, impostos e não recebem nada em troca, o governo está a trabalhar para a sua deslegitimação.
No fim do século XIX, isto foi também assim. As pessoas viam que o governo só tinha para lhes dar repressão ou austeridade. E olhavam para a indústria, e viam que os seus patrões só tinham para lhes dar austeridade e repressão. Os patrões e o governo tinham para lhes dar a mesma coisa, pois eram basicamente as mesmas pesoas. Não por acaso, foi a época áurea do anarquismo, um movimento que áurea do anarquismo, um movimento quea socialista (contra os patrões) e libertário (contra o governo). Estamos hoje numa situação semelhante. Nenhuma boa ideia sai dos nossos governos. E as pessoas começam a perguntar-se para que servem eles.

RUI TAVARES – Historiador.

1 comentário:

  1. A Bélgica tal como a Islândia não aparecem nas noticias, porque será? Se calhar são maus exemplos e as suas populações estão na ruína, digo eu. Não são certamente um exemplo a seguir. O exemplo bom a seguir é por a classe média a pagar mais impostos, a trabalhar mais e a receber menos, para que os accionistas dos bancos ganhem as pequenas fortunas que ganham. Porque é assim que a nossa economia funciona e não há certamente nada a fazer.

    Sarcasmos à parte, eu não diria anarquia, mas democracia directa, e um sistema monetário emitido pelo governo. A única entidade que deve criar dinheiro deve ser o Estado e não os bancos comerciais (ou o banco central, no nosso caso europeu enquanto pertencermos ao euro, directamente para os estados membros sem juros). Estamos todos a sofrer austeridade para que os bancos continuem a dar lucros milionários, com o pretexto de serem necessários para porem a economia a funcionar. Isto é que precisa de ser explicado às pessoas.

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